Mercado de orgânicos está em expansão, mas entraves preocupam lojistas
Pode até ser que os produtos orgânicos não sejam tão melhores do que os convencionais, conforme constatou um estudo da Universidade Stanford (EUA) publicado recentemente, mas as vantagens deste tipo de alimento, como a ausência de pesticidas e bactérias resistentes a antibióticos ou a redução do impacto ambiental, conquistam, cada vez mais, o estômago do brasileiro.
Segundo o Projeto Organics Brasil, o setor cresce no país de 30% a 40%, em média, por ano. Apesar de o número refletir os poucos dados históricos do segmento, a porcentagem é animadora, uma vez que o crescimento mundial não passa de 10%.
Em um país que ostenta o título de maior consumidor de agrotóxico do mundo, a expansão do mercado de orgânicos demonstra, segundo especialistas, o aumento da consciência de um consumidor mais exigente com o que coloca no prato.
“O cliente quer, cada dia mais, uma alimentação saudável. Ele está preocupado com seu impacto ambiental”, afirma o empresário Thomas Brieu, sócio do Mercado Apanã, cuja proposta é popularizar a venda de produtos orgânicos, naturais e ecológicos, reduzindo a principal desvantagem do segmento: o preço.
Gargalos
A semente do mercado Apanã germinou quando um dos três sócios, que possuía um mercado de orgânicos em Portugal, percebeu a ausência deste tipo de comércio no Brasil.
O mercado abriu as portas em abril e os empreendedores já pensam em criar uam rede de lojas pelo país. Eles investiram na logística de distribuição para comercializar os produtos em varejo e atacado. “Existem muitos produtores no país que produzem alimentos com qualidade”, afirma Thomas Brieu, dizendo que a logística é “uma dor de cabeça”, mas que esta barreira não é intransponível.
Para reduzir o valor dos produtos, geralmente elevado em relação aos convencionais, os empreendedores dizem apostar no volume. “Mas estamos assumindo um grande risco por sermos pioneiros”, acrescenta Brieu. Não é à toa. A logística é apontada pelos lojistas como o grande entrave para a expansão do mercado de orgânicos no país.
Com menos de um ano de vida, Mercado Apanã planeja chegar a outros estados / Foto: Mercado Apanã/Facebook
Pelas próprias características de cultivo, sem uso de agrotóxicos, adubação química ou hormônios, os alimentos orgânicos são produzidos por agricultores familiares em pequena escala. Para chegar às prateleiras das lojas, esses produtos necessitam de uma boa infraestrutura de transporte – o modelo brasileiro aposta em rodovias em vez de ferrovias, aumentando o tempo e o custo da viagem.
Outro gargalo na consolidação do mercado de orgânicos no país é a importação. Os alimentos que o país produz são basicamente primários, sendo poucos os orgânicos industriais (ou seja, é mais fácil encontrar frutas e legumes do que massas, chocolates e vinhos). Essa deficiência era suprida pela importação, que sofreu queda após a regulamentação nacional dos orgânicos, em vigor desde janeiro de 2011.
Especificidades
A regulamentação criou critérios de importação específicos para o país – diferentes das regras adotadas no EUA, Europa ou Japão, as principais referências para as certificadoras brasileiras até então.
Uma das determinações inferiu que, para ser intitulado orgânico, o produto deveria ter os componentes de toda sua cadeia rastreados – tarefa simples para itens primários, mas complicada para produtos industriais. Assim, em uma massa, por exemplo, é necessário comprovar a origem orgânica da farinha de trigo, ovos e do fermento. Quanto maior o número de matérias-primas, mais custoso fica comprovar a origem orgânica dos artigos processados.
O que dificulta ainda mais a entrada de produtos importados no país é que este rastreamento rigoroso só é praticado no Brasil, reduzindo o interesse dos fabricantes de pagar por uma segunda certificação (por meio de um convênio com uma certificadora nacional) para entrar no país.
O grupo Pão de Açúcar, pioneiro no setor, afirma que a medida reduziu em 10% a taxa de crescimento do setor. “Estamos aguardando que haja alguma mudança na legislação para voltar a importar. Enquanto isso não for feito, não há como reverter o quadro, pois nem todos os fornecedores internacionais se adequaram ao que está pedindo o governo brasileiro”, justificou a rede, em nota.
Apesar do impasse com as importações, o grupo tem um portfólio considerável de produtos, com 650 itens orgânicos e um programa de fornecimento com 130 produtores.
“Há dez anos, somente verduras e legumes estavam disponíveis nas lojas. Hoje, além dos itens in natura, temos carne, massas, molhos e todos os componentes para uma refeição completa e saborosa”, ressalta Sandra Caires, gerente de orgânicos do grupo. No entanto, os campeões de venda ainda são as folhagens (alface) os legumes (cenoura e tomate) e frutas (banana).
Para driblar a dificuldade com a importação, o mercado Apanã resolveu seguir outra estratégia: vender alimentos originalmente intitulados orgânicos como “saudáveis”. “O que importa para nós, a nossa missão, é ter cada dia mais bocas comendo menos veneno”, argumenta Brieu, ressaltando que para sobreviver é necessário “vestir a camisa” da causa.
Consolidação
Para o governo brasileiro, o rastreamento é premissa básica para certificar o produto como orgânico. Segundo o coordenador de Agroecologia do Ministério da Agricultura, Rogério Dias, o que está em questão não é o sistema de certificação brasileiro, mas o interesse comercial dos produtores estrangeiros no país. “Quando o nosso mercado interno de orgânicos crescer mais, talvez isso mude”, projetou em janeiro ao Valor. A regulamentação instaurou ainda outros itens, como o selo do Sistema Brasileiro de Conformidade Orgânica, que identifica a origem do produto para o consumidor.
De acordo com o coordenador-executivo do Projeto Organics Brasil, Liu Ming, a legislação brasileira do setor de orgânicos visa, principalmente, desenvolver a cadeia primária. Para Liu, a regra que trava a importação faz parte de um processo de consolidação do Brasil no setor. “Da mesma forma que quando exportamos nossos produtos nos adequamos à legislação deles, eles agora têm que se adequar a nossa. Estamos aplicando a mesma moeda”. A Europa e os Estados Unidos já têm regulamentação desde o início dos anos 2000. “Estamos dez anos atrás”, alertou.